Wednesday, December 13, 2006

DESPEDIDA


DESPEDIDA

Esgueirando pelos cantos impuros,
Percebo uma veste na cor das trevas.
E refletindo sobre esta vil miragem
Estremeço até o último sentido.

Qual o apreço que dedico a esta visão?
O medo será mera alusão,
Ou as vestes intocadas da libertação,
Enfim, vieram me visitar?

Comungo com esta breve náusea,
E levitando sou atraído em sua direção,
Como uma presa que irresistivelmente
É impelida em direção ao abismo...

E tombo, num torpor de enternecimento,
Pois perco aquilo que me torturava,
O peso do mundo ante minhas costas;
E perco aquilo que me sufocava,
A máscara servil que me enfeitiçava;
E perco aquilo que me silenciava,
A música trêmula que me calava;
E perco aquilo que me açoitava,
Os chicotes perversos que me enxergavam.

E tombo no precipício...
Nas nuvens do silêncio sou revestido.
A doce brisa me conforta;
E sorrio...!
Pela primeira vez sem direção,
Pois flutuo sozinho na imensidão,
Abandonando a mais vil das obrigações:
A de sustentar um rosto e uma vida!

Friday, November 17, 2006


SONETO XXXII

O mistério que fascina e faz dos amantes doces poetas...

Mulher de orgias misteriosas,
De ventre e linhas sinuosas;
Que grande mistério
Se esconde em teu sexo etéreo?

Quero mergulhar nestas ondas mornas,
E este desejo, que vivo tu tornas,
Atice-o ainda mais, bela criatura,
E amar-te-ei com toda minha ventura.

Fico ébrio em teu umbigo fogoso,
Tocando-o com meu sabor honroso,
Por provar tal cavidade de sabores...

Nas ondas que são teus seios em amores,
Cubra-me, saborosa mulher madura,
E sacie minha curiosidade com candura.

Tuesday, August 15, 2006

A Rua do Silêncio


Dificilmente ouço barulho de carros, motos ou pessoas passando por aqui, na rua do silêncio.
Todos os entes queridos, amigos ou irmãos, hão de por passar aqui deitados, queiram ou não. Na esquina mais próxima de minha casa existe um velório, lá sempre limpam e vestem os mortos. Era nossa diversão na infância, espiar as pessoas chorando e rezando por seus parentes, para assim esquecê-los durante as horas de suas vidas.
Lágrimas, dor e contentamento. Sempre assim. Encarávamos a morte com naturalidade, até ela nos chamar. Isso mesmo, ela veio e buscou nossa amiga mais próxima, justo aquela que tanto tinha o que fazer nesta vida. Talvez por ser tão importante Deus a quisesse eternamente do seu lado. Isso nos chocou tanto que crescemos. Passamos a enxergar os dois lados da rua, em uma ponta o velório; na outra, a boca do cemitério, pronto para engolir os corpos queridos e amados, odiados ou repugnados. Isso sempre esteve lá, mas não enxergávamos.
Sempre faltava luz, não importava ter um milhão de lâmpadas acesas, sempre era mais escuro que a casa de outros amigos, que moravam em outras ruas. Sempre a escuridão, a visão de enterros, pessoas chorando e rezando, meditando e se perguntando: Por quê? Ninguém sabia a resposta, mas o que importava era que sabíamos que um dia alguém estaria chorando por nós e não mais caminharíamos em pé pela rua do silêncio, e sim deitados em nossos calvários de madeira, com astes retorcidas por prantos e lágrimas, para enfim sermos enterrados e esquecidos.
A rua da saudade nos causava de certa forma um pânico em querer viver, pois ali o relógio corria mais rápido, a qualquer hora nossa irmã morte vinha nos visitar.
A história de nossas avós nos causava medo, pois contavam que viam espíritos caminhando pelas ruas e olhando para os lados, sem entender onde estavam. Carruagens e barulho de cavalos sempre nos atormentavam. Uma vez ouvi um galope em frente a minha casa, saí para ver, todo suado e frustrado, e o que aconteceu? Nada. Não havia nada.
As procissões sempre passam por aqui, pois precisam ir para o cemitério. Se alguém quiser ver a morte venha aqui! Dia ou noite, ela sempre está aqui. Seu plantão não tem fim, desde os primórdios.
Demoraram quatro dias para encontrar o corpo de nossa amiga e quando a resgataram foi somente festa e louvor. Ouvi alguém dizer: “parece que a encontraram viva”. Ilusão causada pela felicidade mesclada à tristeza que sentiam. Que pena, que saudade...
Senti-me certo tempo sem vontade de viver. Para quê? Por quê? Para um dia ser levado e esquecido pela rua do silêncio? Que existência mais inútil. E senti-me sem vontade de viver ou morrer, e entreguei-me às drogas. Depois de certo tempo vi que neste caminho sem esperança e sem destino me entregava cada vez mais aos braços da morte. Estava morrendo no auge da minha vida, tinha que parar de me culpar, não era responsável por tantas mortes. Era só mais um simples espectador.
A visão que hoje tenho é de uma rua comum, com crianças, velhos e jovens, conversando e vivendo. As lâmpadas sempre mais apagadas e um frio diferente do inverno. Isto meu amigo, é a Rua do Silêncio. E você um dia passará por esta rua, não em pé, mas deitado e carregado.

Tuesday, April 11, 2006

SONHO



No emaranhado da loucura
Enxergo uma luminosa escultura,
Tão doce e gentil como uma fada.
E nesse inconsciente tenho curta estada,
Pois a razão dilacera o encantamento,
De um sonho em divino firmamento.
Caio sem sentidos na realidade ,
E choro pelo sonho em inverdade;
Pois tal aproximação com a plenitude,
Deixou-me jogado em mero ataúde,
Pois da terra nada espero,
E sim o que simplesmente quero
É um segundo a mais no paraíso,
Para admirar o majestoso sorriso
Que provinha de minha dama,
Irreal como uma mera trama,
Que tenta subjugar o profeta,
Que compreende a luz desta descoberta...

Wednesday, March 29, 2006

Prólogo do Romance - A FACE OBSCURA DA VIDA


PRÓLOGO

Corpus debile


A noite revelava a face obscura da vida. As fracas lâmpadas daquela rua sinistra não escondiam a presença enlevada da morte, que teimava em rondar os fantasmas que perambulavam pelas sombras. Não existiam muitos humanos naquele lugar torpe, mas uma escória que migrava de vales inexatos, que perambulava através das trevas, procurando algum espírito para dilacerar, ou alguma fuga condenável para se esquecer de seus infernos terrenos. Restos desagregados de vícios, era somente isto naquela noite fria e úmida.
César fumava descompassado o seu cigarro. Intimamente não sabia se estava tendo uma vil alucinação, ou se realmente a brasa sorria para seu rosto pálido, que fazia brotar ligeiras marcas de suor; um suor viscoso e gélido. Frio estava o seu coração, que restabelecia mil vezes o mesmo plano de batalha. Realmente era aquilo que iria fazer, viajar para um campo de batalha, entrar em uma arena com dezenas de leões e gladiadores, e com sua tímida lâmina teria que exterminar todos os agressores que zombavam de seu rosto trêmulo. Em nenhum caso seu espírito relutou tanto; talvez tivesse medo da conseqüência de seus atos, ou da tenebrosa sensação de olhar dentro de si próprio. Em momentos conflitantes a viagem dentro da própria alma é uma atribulação considerável, pois quando o fazemos, descobrimos demônios e incertezas que nos mostram um pedaço do nosso inferno pessoal, dos nossos medos mais reclusos, e dos sonhos que se estilhaçaram durante o cair da areia do tempo; mas esta viagem guarda segredos infindos de nossa incógnita, de nossa natureza indefinida. Podemos descobrir potencialidades, dons, mistérios; ou podemos despencar ante a mais sagrada das obscuridades: o vazio da solidão, a loucura pessoal, que dorme dentro de cada um.
Não havia estrelas no céu, somente a vertigem de um sereno ritmado e sombrio. Um dos piores sentimentos humanos é a espera. César odiava ter que esperar algo. Sua natureza ativa e inconstante não o permitia viver horas num acalanto, num gorjear de pássaros, numa cadeira de balanço qualquer; queria que tudo acontecesse rápido, pois não gostava do medo, gostava de se livrar logo desta sensação, pois sabia que, se demorasse muito, aquele sentimento transformar-se-ia em pavor, como estava acontecendo. César sentia o pavor crescer dentro de suas certezas.
O pavor é bem diferente do medo. Este primeiro desperta nossas angústias, nos prendendo em nossa natureza casta, em nossos frutos infecundos, nos amedrontam e nos matam. O medo já é diferente, pois nos sentimos invadidos por um desespero que nos encoraja a cumprir qualquer tarefa, para nos livrarmos da obsessão que nos aflige; somos sacudidos até vencê-lo.
O cigarro chegara ao filtro. O cheiro ruim que desprendeu do pequeno bira fez o corpo de César tremer. Com as mãos firmes, apesar de toda a sua turbulência, retirou outro cigarro do bolso interno de seu paletó negro, que se confundia com a noite, e acendeu-o usando o toco de tabaco que restava entre seus dedos crispados de sereno. Sentiu um estremecimento. Retirou rapidamente o maço do bolso e viu que ainda restavam nove cigarros; respirou aliviado, pois se ficasse sem o sustento do seu vício, não teria onde se refugiar. Leu mecanicamente a advertência do nosso Ministério, como se quisesse fugir dos seus pensamentos: “Crianças começam a fumar ao verem os adultos fumando”. Um sorriso sarcástico afluiu em sua expressão séria, deixando-o mais indignado.
Soltou uma longa baforada, que se assemelhava aos espíritos da noite. A luz do poste refletida sobre ele enalteceu a figuração do sopro e pôde contemplar com uma frigidez insana a fumaça cinérea se dissipando. Caminhou onze passos em direção da escuridão, contava seu caminhar e fazia gestos frenéticos com a mão que se apoiava no cigarro. Sentiu a arma em sua cintura, e pensava em como gostaria de usá-la, para terminar de uma vez por todas com sua vingança.
Seu instinto policial flagrou-o quando olhou disfarçadamente para um mendigo que estava deitado ao lado de um empilhado de lixos. Aquele pedinte era seu amigo Carlos, seu parceiro. Em seus pensamentos tinha a sensação que tudo daria certo. Poderiam ter imprevistos, mas sua experiência e furor resolveriam tudo. Arquitetara o plano em sua insanidade, em seu momentâneo colapso da razão. Estes feitos, promovidos durante a falta da razão, geram e nutrem os planos mais miraculosos e mais violentos de espírito. Olhou de soslaio para seu amigo e recebeu um curto sinal com a mão. Não acreditava como o amigo estava deplorável, pois adorava vestir-se com fineza, sempre esbanjando sofisticação. Aquele contraste manifestava uma dose de hilaridade, apesar da apreensão. Sorriu com o canto dos lábios e observou novamente onde estava.
O asfalto negro se assemelhava a um imenso mar de lodo e devastação. As pequenas construções, as casas repletas de grades, os amontoados de entulhos, pareciam sangrar, com suas veias de concreto chorando pelas chagas herdadas de sua cidade. Aquele bairro era um dos piores daquela labiríntica cidade. O contraste com a natureza humana tornava-se bizarra. Lixos espalhados pareciam monstros que dormiam disfarçadamente, esperando que alguma vítima se aproximasse, para que pudessem dominar seus corpos e se comprazer em suas barbaridades.
César caminhou e encostou-se a um dos postes. Acendeu outro cigarro, não podia parar de fumar, tinha que se prender em algo real. Olhou para uma pequena vidraça enegrecida logo a sua frente, que se mantinha protegida por grades enferrujadas e salientes. Viu sua aparência pavorosa e determinada. Não se reconheceu, estava literalmente desfigurado; não era a culpa da escuridão ou da conclusão de seus planos, era seu espírito que relutava em acreditar na vida. Seu porte já fora mais atlético, era até mesmo invejado pelos homens da academia, quando antigamente treinava defesa pessoal e desprendia sua ira conquistada no trabalho em anilhas de vinte quilos. Seu rosto era uma mancha apagada e sinistra. Os lobos temem o que é sinistro, isto o protegia. Seus olhos negros eram filhos da noite, juntamente com seu cabelo atrapalhado e engrossado pela falta de zelo. Não dormia a várias noites, sofria de uma perseguição inexata, tornara-se amigo íntimo da solidão e da insônia. Seus lábios estavam secos e sua língua áspera teimava em tentar molhá-los um pouco, mas em vão; nem mesmo a garoa o conseguira. Se algum anjo realmente existisse, sentiria pena desta visão que César tanto odiava intimamente. Realmente ele se odiava como pai, como ser humano. Não tinha mais onde se agarrar, encontrava forças somente na filha debilitada, que precisava ser vingada. “Maldito” – este era seu pensamento.
Assustou-se quando um imenso gato atravessou o caminho, fazendo-o cambalear, deixando seu coração aos solavancos. Viu-o desaparecer sobre os imensos muros e sentiu-se preso ao chão. Quão prisioneiro se sente o homem quando se depara com a liberdade felina em meio à noite.
Ninguém ousava adentrar naquela rua, que era conhecida como beco. Somente se fosse algum traficante respeitado, como este que ele esperava, ou algum maluco que não tivesse amor à vida.
Um grupo de três jovens surgiu na esquina e caminhavam como se estivessem dançando, num ritmo horrendo. Percebia-se somente seus vultos, que cresciam juntamente com suas sombras, que eram projetadas no asfalto carcomido. Passaram diante de César e pediram fogo. O coração do policial se afligiu, tudo poderia dar errado por causa daqueles possíveis viciados. Com receio entregou o cigarro para um dos jovens, que o encarava, como se procurasse analisar sua conduta de estar em um lugar tão ignóbil. Os outros rapazes o esperavam a uns dez passos de distância. Por um momento César pensou que iria ouvir um grito de assalto, mas seu olhar era horrendo e acabou por espantar o jovem. Saiu e agradeceu com sua gíria o homem que lhe cedera a brasa. Desapareceram da mesma forma que entraram, como sombras.
César achava bom que sua aparência estivesse daquela maneira, ou seja, irreconhecível. Se alguém percebesse que era policial, estaria irremediavelmente perdido.
Passados alguns minutos surgiu do mesmo lugar aonde vieram os rapazes, um carro negro e imponente, com uma luz fraca, que iluminava o asfalto, revelando ratos que corriam para os esgotos. Em fração de segundos a mente de César viajou ao passado, revendo toda a história que o levara para aquele local envolto pelas trevas.

Tuesday, March 28, 2006

SONETO XXXIV




Tudo pode ser corrompido, quando regado à vinho e poesia... não existe a verdadeira pureza.

Nesta tua luz, mais bela que a aurora,
Me atormento com a credulidade do agora;
Pois tu me chamas, ereta e piedosa,
Se mostrando toda enfeitiçada e deleitosa.

Dos teus beijos quero o conforto;
Nas tuas mãos quero ficar absorto;
Das tuas palavras quero o acalento;
E no gozo quero me livrar do tormento.

Cubra-me de beijos, peço-te piedoso;
E vejo minha glória de olhar honroso:
És minha por minha força voraz.

Esta persuasão tenaz,
Que ultrajou teu estado de virgem amante,
Deixa-me duvidoso do amor dilacerante...

Monday, March 27, 2006

Uma tarde qualquer
















Hoje a tarde está tão lenta... tão lenta. Caminha despreocupada, vociferando para alguns, cantando para outros. Exibe sua clarineta, toda reluzente, e deixa um sorriso escapar. A tarde mantém-se tranqüila, está coberta pela sombra de um vinhedo. Quer situação mais relaxante? Não existe... Ademais, meu sonho me desperta. Meus olhos estão cansados, esta tela me deixa extasiado, é uma sensação estranha. Sinto-me estranho! - Uma porta para o mundo, ou um bloqueio para mim mesmo? - Quantas vozes, quanta vida lá fora; eu aqui, olhando para esta tela, com meus olhos ardidos, como pimenta malagueta... pimenta que meu avô adorava deixar em imensos potes, e dizia: "isso aqui é forte como o capeta". A imaginação fluía, e corria escondido para experimentá-la; ai, como ardia... mas era tão bom... Os pés descalços, a voz tímida, os olhos inquietos e vivos; procurava sempre algo, sempre algum novo detalhe! E discretamente chamava meu irmão: "Vamos explorar?" E apesar de ter feito o convite, o seguia, como todo caçula. Como eram aquelas tardes? Seria um exagero querer elas novamente? Talvez sim, talvez queira apenas escalar uma montanha, para roubar um pedacinho de sua imensa estatura, para guardar sorrateira entre meus livros. Adoro pedras. Gosto de ficar olhando uma paisagem durante horas, fumando e meditando; criando histórias, inventando segredos! Um dia sairei em busca desta tarde infinita, tarde da memória. Um dia deixarei esta tela que cansa meus olhos e oprime minha alma. - Porta para o mundo, ou um bloqueio para mim mesmo? - Quantas vozes, quanta vida lá fora...
E aqui... aqui tenho vontade de algo que nunca tive; aqui relembro a estrela que pousou em meus dedos, aquela estrela cadente - estrela guiada - estrela que anuncia! Onde ela pousou? Será que foi nesta tarde? Foi esta estrela que a deixou tão lenta? Tão lenta...

...pensamentos... (estas reticências me perseguem...meus olhos estão ardidos... como pimenta malagueta)

André Plez