Tuesday, August 15, 2006

A Rua do Silêncio


Dificilmente ouço barulho de carros, motos ou pessoas passando por aqui, na rua do silêncio.
Todos os entes queridos, amigos ou irmãos, hão de por passar aqui deitados, queiram ou não. Na esquina mais próxima de minha casa existe um velório, lá sempre limpam e vestem os mortos. Era nossa diversão na infância, espiar as pessoas chorando e rezando por seus parentes, para assim esquecê-los durante as horas de suas vidas.
Lágrimas, dor e contentamento. Sempre assim. Encarávamos a morte com naturalidade, até ela nos chamar. Isso mesmo, ela veio e buscou nossa amiga mais próxima, justo aquela que tanto tinha o que fazer nesta vida. Talvez por ser tão importante Deus a quisesse eternamente do seu lado. Isso nos chocou tanto que crescemos. Passamos a enxergar os dois lados da rua, em uma ponta o velório; na outra, a boca do cemitério, pronto para engolir os corpos queridos e amados, odiados ou repugnados. Isso sempre esteve lá, mas não enxergávamos.
Sempre faltava luz, não importava ter um milhão de lâmpadas acesas, sempre era mais escuro que a casa de outros amigos, que moravam em outras ruas. Sempre a escuridão, a visão de enterros, pessoas chorando e rezando, meditando e se perguntando: Por quê? Ninguém sabia a resposta, mas o que importava era que sabíamos que um dia alguém estaria chorando por nós e não mais caminharíamos em pé pela rua do silêncio, e sim deitados em nossos calvários de madeira, com astes retorcidas por prantos e lágrimas, para enfim sermos enterrados e esquecidos.
A rua da saudade nos causava de certa forma um pânico em querer viver, pois ali o relógio corria mais rápido, a qualquer hora nossa irmã morte vinha nos visitar.
A história de nossas avós nos causava medo, pois contavam que viam espíritos caminhando pelas ruas e olhando para os lados, sem entender onde estavam. Carruagens e barulho de cavalos sempre nos atormentavam. Uma vez ouvi um galope em frente a minha casa, saí para ver, todo suado e frustrado, e o que aconteceu? Nada. Não havia nada.
As procissões sempre passam por aqui, pois precisam ir para o cemitério. Se alguém quiser ver a morte venha aqui! Dia ou noite, ela sempre está aqui. Seu plantão não tem fim, desde os primórdios.
Demoraram quatro dias para encontrar o corpo de nossa amiga e quando a resgataram foi somente festa e louvor. Ouvi alguém dizer: “parece que a encontraram viva”. Ilusão causada pela felicidade mesclada à tristeza que sentiam. Que pena, que saudade...
Senti-me certo tempo sem vontade de viver. Para quê? Por quê? Para um dia ser levado e esquecido pela rua do silêncio? Que existência mais inútil. E senti-me sem vontade de viver ou morrer, e entreguei-me às drogas. Depois de certo tempo vi que neste caminho sem esperança e sem destino me entregava cada vez mais aos braços da morte. Estava morrendo no auge da minha vida, tinha que parar de me culpar, não era responsável por tantas mortes. Era só mais um simples espectador.
A visão que hoje tenho é de uma rua comum, com crianças, velhos e jovens, conversando e vivendo. As lâmpadas sempre mais apagadas e um frio diferente do inverno. Isto meu amigo, é a Rua do Silêncio. E você um dia passará por esta rua, não em pé, mas deitado e carregado.